segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Pixote - A Lei do Mais Fraco


É curioso que um dos melhores filmes brasileiros já produzidos, tenha sido feito pelas mãos de um argentino. Em "Pixote - A Lei do Mais Fraco", o diretor Hector Babenco leva para as telas a dura realidade das crianças de rua de São Paulo. Jovens de 11 anos, ou menos, já devem aprender - da maneira mais difícil possível - a lidar com o mundo adulto, com a dificuldade de dizer "não", de garantir comida e entender a sexualidade. Com pouco tempo de vida, a missão deles é a aprender a sobreviver.

A batalha de Pixote (Fernando Ramos da Silva) começa quando ele é abandonado pelos pais e precisa morar na rua para sobreviver. Ele acaba indo parar na FEBEM, vê amigos morrerem e convive com vários tipos de criminosos. "Pixote - A Lei do Mais Fraco" é um retrato do precário investimento em políticas públicas para auxiliar no crescimento das crianças de rua; já que um dos piores momentos da vida de Pixote é quando ele vai parar na FEBEM e entra em contato com um mundo completamente errado.

Hector Babenco é um cineasta conhecido por retratar assuntos polêmicos e por abordar as mazelas do ser humano em seus filmes. Em "Pixote" ele junta os dois elementos que o fizeram ser reconhecido e constrói uma realidade até difícil de aceitar. E para conferir esse tom mais real ainda, o diretor se inspira no neo-realismo italiano para filmar. A maioria dos atores escolhidos por Babenco, tem a vida muito parecida com aquela retratada no filme e nem são atores profissionais. Outra preferência do diretor foi o tom documental do filme. Quase não há efeitos especiais e elementos que deem um caráter suave à narrativa. A ideia é que a realidade seja representada o mais próximo possível do cotidiano daquelas pessoas.

Ao assistir o filme, é impossível não se deixar cativar por alguns personagens e sua visão a respeito da vida. O público cria um carinho tão especial por Pixote, que é difícil enxergá-lo de maneira dura, ríspida; o diretor contextualiza tão bem a história de vida do garoto, que o espectador entende que os erros que ele comente são naturais de alguém que é abandonado e fica sem rumo. Também é interessante prestar atenção em Lilica (Jorge Julião), o travesti da turma de Pixote. Mais velho, o personagem já tem uma visão dura da vida e de como a sobrevivência na rua é difícil. Lilica acaba sendo a referência adulta para Pixote.

Assim como "Cidade de Deus" foi um dos destaques do cinema brasileiro dos anos 2000, "Pixote" teve um tom bastante polêmico na década de 80. Se hoje em dia ainda é difícil aceitar que crianças tenham que roubar e matar para poder viver, há 30 anos, essa realidade era ainda mais intragável.


Ficha Técnica:

Pixote - A Lei do Mais Fraco
Brasil - 1981
Direção: Hector Babenco
Produção: Paulo Francini e José Pinto
Roteiro: Hector Babenco e Jorge Durán
Fotografia: Rodolfo Sanchez
Trilha Sonora: John Neschling
Elenco: Fernando Ramos da Silva, Marília Pera, Jorge Julião, Gilberto Moura, Edílson Lino, Zenildo Oliveira Santos, Cláudio Bernardo, Israel Feres David, José Nílson Martins dos Santos, Jardel Filho, Rubens de Falco, Elke Marailha, Beatriz Segall, Ariclê Perez, Emílio Fontana
Duração: 127 minutos

quinta-feira, 21 de julho de 2011

As Confissões de Schmidt

A maioria das pessoas encara a aposentadoria como uma libertação para se dedicar aquilo que realmente goste. Mas existem aquelas que encaram o momento em que param de trabalhar de uma forma angustiante: é como se elas não tivessem mais lugar no mundo. Este é o caso de Warren Schmidt (Jack Nicholson).

A aposentadoria de Schmidt vem acompanhada da morte da esposa. Com os dois acontecimentos, a vida de Warren fica deslocada de um sentido. Ele precisa buscar algum motivo para viver e para não deixar a vidar cair na monotonia. Então, Schmidt resolve partir em seu trailer rumo ao Nebraska para ajudar nos preparativos do casamento da filha, com um homem que ele não aprova. Mas todos os passos que Warren dá, rumo a uma nova vida, parecem estar errados. Tudo sai da maneira totalmente contrária como ele planejou. Já desacreditado em um futuro melhor, Schmidt se corresponde por meio de cartas com um garoto da Tanzânia - que ele ajuda com doações de 73 centavos por dia - e passa a expor toda a sua vida ao menino desconhecido.

Já é possível perceber o foco de "As Confissões de Schmidt" desde os primeiros minutos do filme: a busca de um homem pelo sentido da vida. Para incrementar essa busca, o diretor Alexander Payne não usa nenhum artifício inovador, nem tramas mirabolantes. O que realmente conta nesse filme é a simplicidade. Os personagens são interessantes, mas não são fantásticos - no sentido de serem apenas uma ideia do homem. O que acontece com Warren pode acontecer com qualquer pessoa que busca um algo a mais na vida. Um motivo que talvez tenha sido responsável por esse apoio na simplicidade, é a questão do orçamento. Comparado com os filmes atuais, "As Confissões de Schmidt" teve o "singelo" custo de pouco mais de 30 milhões de dólares.

Apesar de tentar explorar a comédia, o filme não consegue passar uma mensagem de felicidade. "As Confissões de Schmidt" tem um ar meio que desesperado e deslocado de um universo comum. Com todas essas características, parece não haver ator melhor para interpretar Warren que Jack Nicholson. Ele consegue fazer com que o espectador reflita em todos os momentos do filme, inclusive quando a produção acaba e resta aquela dúvida de "será que tenho aproveitado a vida?".

"As Confissões de Schmidt" é um dos melhores road movies feitos recentemente e vale ser lembrado como um dos filmes mais marcantes da década. Alexander Payne consegue reunir e revelar todas as dúvidas da sociedade moderna em uma produção que deixa o espectador pensando no que tem feito até hoje.


Ficha Técnica:

As Confissões de Schmidt (About Schmidt)
Estados Unidos - 2002
Direção: Alexander Payne
Produção: Michael Besman e Harry Gittes
Roteiro: Alexander Payne e Jim Taylor
Fotografia: James Glennon
Trilha Sonora: Rolfe Kent
Elenco: Jack Nicholson, Kathy Bates, Hope Davis, Dermont Mulroney, June Squibb, Howard Hesseman, Harry Groener, Connie Ray, Len Cariou, Mark Venhuizen, Cheryl Hamada, Phil Reeves, Matt Winston, James M. Connor, Jill Anderson.
Duração: 125 minutos

terça-feira, 19 de julho de 2011

De Tanto Bater Meu Coração Parou


"De Tanto Bater Meu Coração Parou" foi - merecidamente - mencionado na lista dos 100 melhores filmes da década, feita pelo jornal britânicoThe Times. Dualidade, escolha, destino e caráter são os principais elementos da produção do diretor francês Jacques Audiard.

Baseado no filme americano "Fingers", de 1978, o cenário deixa de ser Nova York e se muda para Paris, onde uma estória pesada, mas cheia de esperança, toma lugar. Thomas Seyr (Roman Duris) trabalha com o pai no ramo imobiliário. Eles não têm pena de expulsar os inquilinos devedores de maneira violenta e nem de agredir eventuais invasores dos imóveis que tomam conta. Apesar de ter esse exemplo do pai, Thomas tem uma outra metade herdada da mãe, que morreu há muitos anos: ele é um excelente pianista, mas foi deixando a música de lado, para entrar no lucrativo negócio do pai. Mas Thomas começa a deixar transparecer o lado sensível, quando o ex-professor da mãe o encontra e convida para uma audição. Agora, ele precisa voltar a estudar piano, se quiser levar a nova carreira adiante. Uma professora chinesa, que não fala nenhuma palavra de francês, está à frente dessa missão.

Thomas Seyr é um personagem com dois lados bem definidos. Enquanto não mede esforços para levar o negócio da família adiante, se envergonha da maneira corrupta e brutal como as coisas são feitas. A música tem na vida do personagem uma função de fuga, de evasão. É no momento em que está tocando piano, que Thomas parece se conhecer e aceitar o que realmente gostaria de estar fazendo na vida. É a música também a responsável por tornar o personagem uma pessoa determinada e com muito mais personalidade. Ele enfrenta a oposição dos sócios e do pai, abre mão diversas vezes do trabalho para poder ter as aulas de música e até aprende a ter paciência e ultrapassar dificuldades, já que a professora escolhida e ele precisam encontrar um jeito de se comunicar.

Audiard tem uma maneira muito especial de mostrar que a música é uma linguagem universal. A relação da professora chinesa e de um aluno francês só poderia dar certo com algo muito forte para os unir. Para retratar a maneira vazia com que Thomas viveu durante esses 28 anos, Audiard utiliza as cores do filme: nada é vibrante e colorido. As roupas do personagem principal e os locais onde ele frequenta tem aquela aparência meio suja e mórbida. Um dos únicos locais onde o diretor utiliza cores quentes e uma ambientação mais limpa é na casa da professora chinesa.

"De Tanto Bater Meu Coração Parou" é um filme que retrata o drama de milhares de pessoas que ficam divididas entre o que fazer com a razão e a emoção; que precisam escolher entre dois caminhos extremamente diferentes para seguir e, principalmente, como superar as dificuldades e ter coragem para assumir um dos dois caminhos.




Ficha Técnica:
De Tanto Bater Meu Coração Parou (De Battre Mon Coeur S'arrêté)
França - 2005
Direção: Jaques Audiard
Produção: Pascal Cacheteux
Roteiro: Jacques Audiard e Tonino Belacquista, baseado em roteiro de James Toback
Trilha Sonora: Alexandre Desplat
Fotografia: Stéphanie Fontaine
Elenco: Roman Duris, Neils Arestrup, Jonathan Zaccai, Giles Cohen, Linh Dan Pham, Aure Atika, Emanuelle Devos, Anton Yokovlev, Mélanie Laurent, Agnés Aubé
Duração: 108 minutos

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O Galante Mr. Deeds

Foi a partir de "O Galante Mr. Deeds" que Frank Capra definiu o estilo e os temas dos filmes que iria realizar durante toda sua vida. O diretor, que ficou famoso por abordar o "american way of life", via na simplicidade e na ingenuidade, uma fonte inesgotável de estórias. Os filmes de Capra não serviam apenas para entreter a plateia: a intenção do diretor era fazer com que as pessoas saíssem dos cinemas com uma visão melhor da vida ou que acreditassem um pouco mais na espontaneidade do ser humano.

Longfellow Deeds (Gary Cooper) levava uma vida pacata em uma pequena cidade americana, até herdar uma fortuna de um tio que faleceu. Os advogados que cuidavam do dinheiro do milionário tentam convencer Deeds a ir para a cidade grande, Nova York, e conhecer o tipo de vida que o dinheiro pode proporcionar. Lá, ele se depara com uma outra realidade social e com tipos de pessoas que sua ingenuidade jamais poderia imaginar que existissem. Pelo jeito de ser, Deeds vira atração nacional e sofre com diversas tentativas de exploração.

Apesar de ser uma comédia escrachada, Frank Capra não deixa de realizar várias críticas em "O Galante Mr. Deeds".
As principais vítimas do diretor são: os advogados, a imprensa e os artistas. Ou seja, todos aqueles tipos "parasitas" que são capazes de tudo para atingir um determinado objetivo. Apesar de todos tentarem usar o novo milionário, é ele quem faz com que cada um desses profissionais entenda o seu devido lugar e o que eles deveriam fazer para viver honestamente. Deeds é uma figura tão carismática, que algumas das pessoas que mais tentam se aproveitar dele, acabam se rendendo à ingenuidade e a espontaneidade do personagem.

"O Galante Mr. Deeds" é um ótimo filme para entender porque Frank Capra é um cineasta tão aclamado e qual a sua importância para o cinema americano. O diretor conseguia desenvolver estórias excelentes, com atores fabulosos, sempre buscando o melhor do ser humano em todas elas. Em 2002, Steven Brill refilmou "O Galante Mr. Deeds" sob o nome de "A Herança de Mr. Deeds". Adam Sandler e Winona Ryder estrelam a produção.


Ficha Técnica:

O Galante Mr. Deeds (Mr. Deeds Goes To Town)
Estados Unidos - 1936
Direção: Frank Capra
Produção: Frank Capra
Roteiro: Clarence Budington Kelland e Robert Riskin
Fotografia: Joseph Walker
Trilha Sonora: Howard Jackson
Elenco: Gary Cooper, Jean Arthur, George Bancroft, Lionel Stander, Douglas Dumbrille, Raymond Walburn,H. B. Warner, Ruth Donelly, Walter Catlett e John Wray
Duração: 115 minutos

terça-feira, 24 de maio de 2011

Stromboli


Ao final da II Guerra Mundial, Karin (Ingrid Bergman) está presa em um campo de concentração na Itália. Ela pretende fugir do local e buscar abrigo político na Argentina, mas o visto não é concedido e Karin decide se casar com o pescador Antonio (Mario Vitale), que a cortejava por trás do arame que separava o campo de concentração da "liberdade". Sem estar apaixonada por ele, o pescador leva Karin para morar na pequena ilha de Stromboli, ao norte da Itália. Lá, eles percebem como vai ser a vida a dois.

Stromboli é o lugar ideal para realizar um filme sobre prisão e solidão. O ritmo dos habitantes e a paisagem do local são dependentes da atividade do vulcão que entra em erupção constantemente. Os hábitos e o jeito das pessoas da ilha acabam deixando Karin se sentindo desconfortável. Como ela vem de um lugar distante e tem costumes de uma pessoa da cidade, a estrangeira acaba sendo julgada e é vítima de preconceito da população de Stromboli. As mulheres consideram Karin infiel e excluem a "novata" das atividades praticadas por elas.

A grande questão do filme é mostrar o cotidiano dessas pessoas e como Karin, mesmo longe do campo de concentração, ainda se sente presa, sem liberdade. Além de ter esse sentimento porque a ilha não oferece nenhum entretenimento ou distração, ela ainda é vítima dos comentários das mulheres de Stromboli que acabam contaminando a cabeça do marido.

Roberto Rossellini foi um dos grandes nomes do neo-realismo italiano. Ele fez parte de um grupo de cineastas que preferiu retratar a realidade, com poucos recursos, a realizar mega produções que não davam conta da realidade do pós-guerra. Stromboli pode não ter a mesma força que os outros filmes do diretor realizados no período, mas consegue transmitir ao espectador um pouco do sentimento da população que viveu essa época.

Um dos grandes pontos de "Stromboli" é a cena final. Rossellini preferiu deixar que o espectador reflita sobre o destino de Karin que revelar o que realmente aconteceu com a personagem. Os últimos minutos de filme, interpretados praticamente apenas por Ingrid Bergman, ficam na cabeça do espectador durante um bom tempo. "Stromboli" é um ótimo filme e é diferente dos demais que já abordaram o tema da prisão e da solidão. Nele o espectador também incorpora uma parcela do sentimento de quem viveu o período da guerra.


Ficha Técnica:

Stromboli (Stromboli, Terra di Dio)
Itália / Estados Unidos - 1949
Direção: Roberto Rossellini
Produção: Roberto Rossellini
Roteiro: Roberto Rossellini, Sergio Amidei, Art Cohn, Gian Paolo Callegari, Renzo Cesana
Fotografia: Otello Martelli
Trilha Sonora: Renzo Rossellini
Elenco: Ingrid Bergman, Mario Vitale, Renzo Cesana, Mario Sponzo, Gaetano Formularo, Angelo Molino
Duração: 102 minutos

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Inferno na Torre


"Inferno na Torre" é mais um representante dos filmes de catástrofe que foram feitos em série pelos Estados Unidos durante os anos 70. A fórmula utilizada por outros representantes do gênero também se repete neste filme: um elenco cheio de estrelas, um herói que está disposto a perder a vida para salvar as pessoas, os personagens estereotipados e o clima de tensão no ar, sustentado por milhões de tentativas de sair do edifício e salvar a própria vida.

Doug Roberts (Paul Newman) é o arquiteto que projetou o edifício mais alto do mundo. Ele tem 138 andares e está localizado em São Francisco, nos Estados Unidos. No dia da inauguração do prédio, ele descobre que a construção está sujeita a curtos-circuitos, por conta de erros na parte elétrica. O receio do arquiteto toma corpo e um grupo de convidados da inauguração fica preso em um dos últimos andares do edifício quando um enorme incêndio começa. Apagar o fogo é a missão dos bombeiros, comandados por Michael O' Hallorhan (Steve McQueen).

Diferente de "O Destino do Poseidon", por exemplo, "Inferno na Torre", não tem toda aquela tensão que consegue prender o espectador do início do fim da projeção; é muito mais fácil a exploração de um navio, cheio de passagens, que de um prédio onde as pessoas estão trancadas em apenas um andar. Sendo assim, "Inferno na Torre" não consegue fazer com que o público fique preso à história, principalmente por o filme ter, desnecessárias, 2 horas e meia de duração. O roteiro tinha que ser extremamente bem amarrado para conquistar o público durante tanto tempo.

Assistir "Inferno na Torre" é interessante para entender uma parte da indústria do cinema dos anos 70 e compreender como essas catástrofes eram muito lucrativas para os estúdios. Também não é possível desprezar o que o filme significou para a época: simular um incêndio, em um edifício de mais de 130 andares e criar uma salvação, do jeito que o roteirista e os diretores fizeram, com certeza eram uns dos pontos altos de "Inferno na Torre" para a plateia da época.


Ficha Técnica:

Inferno na Torre (The Towering Inferno)
Estados Unidos - 1974
Direção: John Guillemin, Irwin Allen
Produção: Irwin Allen
Roteiro: Stirling Silliphant, Thomas N. Scortia, Richard Martin Stern, baseado no livro de Frank M. Robinson
Fotografia: Joseph F. Biroc e Fred J. Koenekamp
Trilha Sonora: John Williams
Elenco: Paul Newman, William Holden, Fred Astaire, Steve McQueen, Richard Chamberlain, Robert Vaughn, Sheilla Allen, Jack Collins, Faye Dunaway, Susan Blakely, Jennifer Jones, O. J. Simpson, Robert Wagner, Susan Flannery, Norman Burton, Dabney Coleman
Duração: 158 minutos

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Guerra ao Terror




Quando a lista dos indicados ao Oscar de Melhor Filme de 2010 foi divulgada, a imprensa deu mais importância ao fato de Kathryn Bigelow, que concorria com "Guerra ao Terror", e James Cameron, que concorria com "Avatar", terem sido casados. Além de competirem pelo prêmio principal, os dois cineastas também foram indicados para várias categorias em comum. O fato é que a imprensa, por um bom tempo, deu mais destaque a antiga relação conjugal dos diretores que as próprias obras em si.

Enquanto "Avatar" investia em tecnologia e filmar aquilo que já havia sido visto, "Guerra ao Terror" mostrava uma nova face da guerra. Sem a grandiosidade spielberguiana, mas com um cuidadoso realismo, Kathryn Bigelow mostra a guerra como uma droga; não no sentido de ser dolorosa, mas sim no âmbito de ser viciante.

A apenas 38 dias de voltar para casa, o sargento William James (Jeremy Renner) é enviado para integrar o esquadrão anti-bombas do exército americano. O sangue-frio do sargento gera alguns desentendimentos com os outros integrantes do grupo, que o consideram descuidado e irresponsável. Apesar dos perigos, eles seguem realizando a missão, sabendo que um dia de trabalho bem feito, é um dia a mais de vida.

Kathryn Bigelow escolheu retratar soldados que salvam vidas, no lugar de soldados que matam. O esquadrão anti-bombas atua junto à sociedade civil do Iraque. Eles trabalham perto de residências, shoppings e ruas movimentadas do país, o que significa que além de ter cuidado com a própria vida, eles precisam ser mais cuidadosos ainda com a vida dos outros.

A grande sustentação de "Guerra ao Terror" é o momento de tensão que precede a tentativa de desarmar as bombas; até porque antes de ser um filme de ação, a produção é um ótimo drama. É verdade que os filmes sobre as guerras americanas já se tornaram quase um gênero no país, mas "Guerra ao Terror" é, realmente, diferente de tudo que vem sendo feito. Seja pela escolha de abordar a guerra sem o glamour e a romantização geralmente imposta pelos diretores ou pela opção de filmar com o maior realismo possível.

Para dar a mais perfeita ideia de realidade ao espectador, o diretor de fotografia Barry Ackroyd realizou um belo trabalho fotográfico e de câmeras. Quem assiste "Guerra ao Terror" tem a sensação de estar no meio do Iraque, envolto pela quentura e aridez do país. Ackroyd também faz da câmera os olhos dos personagens, o que enfatiza ainda mais o suspense do filme.

"Guerra ao Terror" é um filme muito interessante, que leva ao público uma outra ideia do que é a guerra de verdade. Também é uma ótima oportunidade para ver um belo trabalho de fotografia, que busca aproximar a plateia da tensão que aqueles que são convocados para "defender o país" passam diariamante.


Ficha Técnica:

Guerra ao Terror (The Hurt Locker)
Estados Unidos - 2008
Direção: Kathryn Bigelow
Produção: Kathryn Bigelow, Mark Boal e Nicolas Chartier
Roteiro: Mark Boal
Fotografia: Barry Ackroyd
Trilha Sonora: Marco Beltrami e Buck Sanders
Elenco: Jeremy Renner, Anthony Mackie, Bruan Geraghty, Guy Pearce, Ralph Fiennes, David Morse, Evangeline Lilly
Duração: 113 minutos

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Alemanha, Ano Zero


Berlim, pós Segunda Guerra Mundial. Edmund tem 12 anos e tenta ajudar a família, vendendo objetos nas ruas. O pai do garoto está doente e não pode trabalhar, a irmã é acusada por todos de se prostituir para os soldados estrangeiros. Em meio ao cenário desesperador, Edmund se envolve com um grupo de jovens delinquentes, que o desamparam no momento em que ele mais precisa.

Apesar de se passar na Alemanha do pós-guerra, o filme está inserido no contexto do cinema italiano dos anos 40: o neo-realismo. Roberto Rossellini, Vittorio De Sica e Luchino Visconti são os principais nomes do movimento que inspirou cineastas de todo o mundo - inclusive os cinemanovistas brasileiros. No neo-realismo, os diretores retratavam o sofrimento da sociedade européia que morava nas cidades devastadas pela Segunda Guerra Mundial. Eles exploravam todos os lados possíveis da tragédia: relações sociais, culturais, econômicas, de poder etc. O neo-realismo se propôs a revelar as mazelas deixadas pelas grandes potências da maneira mais verdadeira possível. Para isso, os diretores abriam mão dos caros cenários, dos famosos atores, dos sofisticados recurso de câmera da época e do perfeccionismo da edição. No lugar de todos esses recursos, eles utilizavam atores não-profissionais, filmagem em locação - ou seja, todas as cenas dos filmes eram feitas nas próprias ruas das cidades -, aproveitavam a luz natural do ambiente... A intenção era transmitir tudo da maneira mais real possível.

Em "Alemanha, Ano Zero" Rossellini não deixa passar nenhuma crítica ao nazismo. Todos os personagens são uma espécie de retrato da sociedade da época: o pai doente pelo cansaço que a vida lhe causou, a irmã é vista como prostituta porque de algum jeito precisava arranjar dinheiro para ajudar a sustentar a casa e Edmund é a criança que cresceu vendo o sofrimento da família e abrindo mão da juventude para ajudar nas tarefas de casa. Mas apesar de Edmund ser o personagem principal do filme, a figura do professor Sr. Enning é a mais crítica da estória. Ele é retratado pelo diretor como um pedófilo, de crenças nazistas, que se aproveita de Edmund para ganhar algum dinheiro. O modo como ele acaricia o aluno e a maneira como se mostra tão interessado nas atividades do garoto, fica claro que o interesse do professor não é só profissional. Quando Edmund percebe que seu pai não consegue melhorar da doença, resolve pedir ajuda ao "amigo" e professor, mas não adianta nada: Enning diz ao aluno, em um discurso extremamente nazista, que só os mais fortes conseguem sobreviver no período difícil em que estão vivendo.

O peso de viver em um Estado falido, sem o amparo da família, sem relações verdadeiras de afeto, levam Edmund a pensar em atitudes jamais imaginadas por uma criança de 12 anos. É incrível ver a maneira com que os diretores italianos pensavam nas tramas de seus filmes no período do neo-realismo. Enquanto o cinema americano filmava "A Noviça Rebelde" e "Dumbo", os cineastas europeus exploravam as consequências da Segunda Guerra sem fechar os olhos para a realidade e sem medo de mostrar aos espectadores de todo mundo, a dificuldade das sociedades que viviam assoladas pelas consequências da Guerra.

"Alemanha, Ano Zero" é um filme muito importante para o cinema. Ele fez parte de um movimento que inspirou várias gerações de cineastas e que propôs que o mundo voltasse os olhos para o que realmente estava acontecendo na Europa na metade dos anos 40.


Ficha Técnica:

Alemanha, Ano Zero (Germania Anno Zero)
Itália - 1948
Direção: Roberto Rossellini
Produção: Salvo D'Angelo, Alfredo Guarini e Roberto Rossellini
Roteiro: Roberto Rossellini, Carlo Lizzani e Max Kolpé
Fotografia: Robert Juillard
Trilha Sonora: Renzo Rossellini
Elenco: Edmund Moeschke, Ernest Pittchau, Ingetraud Hinze, Erich Gühne, Fanz-Otto Krüger
Duração: 78 minutos

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O Destino do Poseidon




"O Destino do Poseidon" foi o filme que praticamente inaugurou a série de produções americanas sobre catástrofes. Depois dele vieram "Inferno na Torre" (1974), "O Dirigível Hidenburg" (1975), "Avalanche" (1978) e muitos outros. O mercado de cinema americano viu no medo das pessoas, uma imensa fonte de lucros e resolveu explorar ao máximo o imaginário da plateia. Os produtores também passaram a investir cada vez mais em tecnologia, para conferir uma realidade inquestionável aos filmes. Para se ter uma ideia, James Cameron utilizou algumas técnicas de "O Destino do Poseidon" em Titanic, mesmo a diferença de "idade" entre eles sendo de 25 anos.

O roteiro do filme não poderia ser mais simples: o Poseidon é atingido por uma onda gigantesca que vira o navio de cabeça para baixo. Na hora, milhares de passageiros morrem e os que conseguiram sobreviver ficaram trancados dentro do salão de festas. Uma parte da tripulação resolve esperar ajuda no local onde ficaram presos e uma pequena parte resolve procurar a saída do navio por conta própria. Eles são liderados pelo pastor Frank Scott (Gene Hackman) e vão enfrentar uma série de problemas para tentar escapar do Poseidon. Apesar da simplicidade, os roteiristas Stirling Silliphant e Wendel Mayes conseguiram amarrar vários acontecimentos, dando concisão à trama e tornando o filme cada vez mais claustrofóbico. Quando o espectador acha que o grupo está livre dos problemas, chega mais uma série deles para incrementar a trama.

Logo no começo do filme, já é possível perceber o tamanho da produção de "O Destino do Poseidon": o navio é extremamente luxuoso, o elenco é enorme, com atores caros, o figurino é rico e há todo um cuidado com a ambientação do barco. Alguns dos atores mais famosos da época fizeram parte da produção: Gene Hackman e Shelley Winters, por exemplo. O problema é que um grande - e ótimo - elenco foi contratado, mas os roteiristas pecaram em um ponto: os personagens foram extremamente estereotipados. Existe o vilão, o heroi, a mocinha, a mulher conquistadora, as crianças, enfim... São grandes atores, mas nenhum com um grande papel.

"O Destino do Poseidon" não é um filme sensacional, que vai fazer com que o público pense. Talvez a importância dele seja mais histórica que pelo próprio filme em si; já que "O Destino do Poseidon" praticamente inaugurou uma nova fase no cinema americano e abriu os olhos dos estúdios para a importância do investimento em novas ferramentas tecnológicas para o cinema.



Ficha Técnica:

O Destino do Poseidon (The Poseidon Adventure)
Estados Unidos - 1972
Direção: Ronald Neame
Produção: Irwin Allen
Roteiro: Stirling Silliphant, Wendel Mayes
Fotografia: Harold E. Stine
Trilha Sonora: John Williams
Elenco: Ernest Borgine, Shelley Winters, Gene Hackman, Red Buttons, Carol Lynley, Roddy McDowall, Stella Stevens, Jan Arvan Arthur O'Connel, Leslie Nielsen, John Crawford, Jack Albertson, Pamela Sue Martin, Fred Sadoff, Charles Bateman, Eric Shea, Sheila Allen, Erik L. Nelson, Stuart Perry, Paul Stader
Duração: 117 minutos

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O Falcão Maltês

Ao investigar a morte de seu sócio, Sam Spade (Humphrey Bogart) é procurado por uma mulher misteriosa que afirma estar sendo ameaçada pelo assassino que Spade está perseguindo. Mas quando a maioria das pessoas envolvidas no crime aparecem mortas, o detetive começa a descobrir que por trás de todos os crimes, aparece a figura de um objeto de valor incalculável.

"O Falcão Maltês", filme também conhecido como "Relíquia Macabra", é considerado a primeira produção Noir do cinema americano.

Os filmes Noir ficaram famosos nas décadas de 1940 e são reconhecidos pela estética e pelas características psicológicas dos personagens. Os filmes eram feitos em preto e branco, com relevantes contrastes e sombras - a principal influência dos filmes noir era o expressionismo alemão. No gênero, os personagens não são apresentados como mocinhos e vilões; as características dos dois se fundem de tal maneira que o espectador nunca sabe quem pode chamar de herói. O universo que cerca essas pessoas também é impuro. Eles vivem em uma sociedade corrupta, onde subir na vida e ganhar dinheiro é o único objetivo a ser alcançado, não importando os meios pelos quais a pessoa deve passar. Outro fator marcante do filme noir é a figura da femme fatale: as mulheres perderam o ar de inocentes donas de casa e vão pra rua atormentar homens sozinhos e inseguros. Todos esses elementos característicos da estética noir estão presentes em "O Falcão Maltês".

"O Falcão Maltês" tem o ritmo bastante acelerado. Talvez por ser baseado na obra do escritor Dashiell Hammet, o diretor John Huston teve que colocar a maior quantidade de detalhes possíveis - em um curto espaço de tempo - para que o espectador entedesse a complexidade do filme. Ou talvez simplesmente por ser a estreia de John Huston na direção, o cineasta ainda não tinha a experiência necessária para selecionar aquilo que era realmente importante e o que poderia ser deixado de lado ou contado de uma outra maneira. O fato é que "O Falcão Maltês" é um despejo de informações ao espectador a todo momento. Mal a plateia consegue digerir uma situação e já vem outra para mudar tudo. Apesar de dar ritmo ao filme, esse excesso não permite que quem esteja assistindo ao filme, formule hipóteses e tenha opiniões a respeito da estória.

O lado curioso de "O Falcão Maltês" são as sequências carregadas de humor que John Huston conseguiu criar. Seja pelos estereótipos dos personagens ou pela própria situação em que eles estão inseridos em determinados momentos do filme, é muito interessante ver como o diretor conseguiu inserir comédia em momentos de pura tensão. Esse lado cômico é personificado na figura de Peter Lorre no filme.

Outro ator que tem destaque no filme é Humphrey Bogart. Interpretar Sam Spade não era a tarefa mais difícil do mundo por ator, já que o personagem não diferia muito de outros que ele já havia interpretado. Mas mesmo assim, Humphrey Bogart está muito bem em "O Falcão Maltês". Principalmente ao lado de Mary Astor que interpreta a primeira femme fatale dos filmes noir.

"O Falcão Maltês" é um excelente filme pra quem se interessa pelo gênero policial e pela estética noir. É uma boa oportunidade de se divertir e para ver um dos melhores filmes da história do cinema.

Ficha Técnica:

O Falcão Maltês (The Maltese Falcon)
Estados Unidos - 1941
Direção: John Huston
Produção: Hal B. Walis
Roteiro: John Huston, baseado no romance de Dashiell Hammet
Fotografia: Arthur Edeson
Trilha Sonora: Adolph Deutsch
Elenco: Humphrey Bogart, Mary Astor, Gladys George, Peter Lorre, Barton MacLane, Sydney Greenstreet, Ward Bond, Jerome Cowan, James Burke, Walter Huston, Charles Drake, William Hopper, Hank Mann, Lee Patrick, John Hamilton, Elisha Cok Jr, Creighton Hale, Murray Alper, Robert Homans
Duração: 101 minutos

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Música e Fantasia


27 anos após o revolucionário filme da Disney "Fantasia", de 1940, o diretor Bruno Bozzetto resolveu criar a versão italiana do clássico: Música e Fantasia. Ele utiliza a mesma fórmula que fez a produção americana ser reconhecida mundialmente: Bazzetto cria animações de vários clássicos da música, como Ravel, Stravinski e Vivaldi e intercala com rápidas atuações de atores. Todos os momentos musicais são carregados de críticas à sociedade.

Bruno Bozzetto critica a busca incansável pela beleza; a tentativa de estar sempre no meio da sociedade e ser igual a todos; e satiriza também a criação do homem e da mulher, de acordo com o capítulo Gênesis, da Bíblia.

Duas animações merecem destaque em "Música e Fantasia": a da evolução humana a partir de uma garrafa de Coca-Cola - ao som de Bolero, de Ravel - e a triste vida de um gato que morava em uma casa que foi bombardeada em alguma guerra - com a trilha de Valsa Triste, de Sibelius, ao fundo.

A comparação entre "Fantasia" e "Música e Fantasia" é inevitável, já que o modelo dos dois filmes é semelhante. A diferença é que a produção americana explora a mais alta qualidade da animação, levando ao espectador um filme grandioso para a época e até para os dias atuais. Já a produção italiana, não explora tanto a qualidade dos desenhos - a diferença entre os dois é óbvia - mas abusa da provocação, de fazer o senso crítico dos espectadores trabalhar e, o mais importante, de abrir os olhos do mundo e mostrar que animações não são feitas somente para crianças; elas podem ser tão críticas quanto qualquer outro filme.

"Música e Fantasia" tem um problema que quebra o ritmo do filme. As intervenções dos atores, na cena em que uma orquestra de velhinhas é regida por um maestro maluco, ficaram muito datadas. Bruno Bazzetto, que interpreta o próprio maestro, usou o típico humor pastelão da época e acabou perdendo o ritmo das intervenções. Fora isso, "Música e Fantasia" é um ótimo filme, com ótimas críticas e uma boa oportunidade de conhecer animações que fogem das grandiosas produções americanas.


Ficha Técnica:

Música e Fantasia (Allegro Non Troppo)
Itália - 1976
Direção: Bruno Bozzetto
Produção: Bruno Bozzetto
Roteiro: Bruno Bozzetto, Maurizio Nichetti e Guido Manuli
Fotografia: Luciano Marzetti e Mario Masini
Trilha Sonora: Stravinski, Ravel, Vivaldi, Dvorak, Debussy
Elenco: Marialuisa Giovannini, Néstor Garay, Maurizio Nichetti, Mirella Falco, Osvaldo Salvi, Jolanda Cappi, Franca Mantelli
Duração: 85 minutos

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A Última Noite de Boris Grushenko




Talvez "A Última Noite de Boris Grushenko" seja um dos filmes mais originais de Woody Allen. No caso, a originalidade não está nos assuntos abordados - até porque, mais uma vez, ele bate na tecla da morte, das convenções sociais e do intelecto do ser humano - mas na maneira como o diretor escolheu para retratar suas inquietações.

"A Última Noite de Boris Grushenko" é um filme que não se faz sozinho. Para apreciar a produção de verdade, Woody Allen exige da plateia interaja com o filme por meio de uma vasta bagagem cultural. É necessário, principalmente, entender o contexto social da época e ter conhecimento dos clássicos da literatura russa: Os Irmãos Karamazov, Crime e Castigo, Guerra e Paz, O Idiota, entre outros.

Boris (Woody Allen) passou a vida inteira filosofando sobre a morte. Ele tem uma família que obedece totalmente aos estereótipos vendidos da Rússia da época: grossos, sem senso crítico e apesar da vasta terra, vivem enclausurados em um pequeno mundo. Mas o principal ponto dessa relação em família e em sociedade é que Boris não se sente parte do universo em que vive. Ele é apaixonado por Sonja (Diane Keaton), que é apaixonada pelo irmão dele, que é apaixonado por outra mulher. E, pra variar, os participantes desse triângulo amoroso só querem uma coisa: subir na vida, não importando de que maneira isso seja alcançado; com exceção de Boris, é claro.

O contexto histórico do filme, é a conquista da Europa por Napoleão. E a trama começa a se desenrolar no momento em que Boris é convocado para o exército, para proteger a pátria. Apesar de se declarar um pacifista, ele não tem escolha e acaba parando no front da batalha.

O ponto alto de "A Última Noite de Boris Grushenko" é a crítica à sociedade, feita por meio da literatura russa. As sátiras aos clássicos, fazem com que o filme continue interessante, mesmo depois de assistido várias vezes. É como se a cada exibição, o espectador notasse um detalhe que passou intacto. Mas além das críticas, Woody Allen investe, essencialmente, naquilo que o fez ser o grande diretor que é: a comédia. Os diálogos são incríveis, cheios que duplo sentido e de provocações à plateia. Não dá pra assistir "A Última Noite de Boris Grushenko" só uma vez. Para entender o verdadeiro sentido do filme, é preciso se dedicar e buscar compreender que nada está ali por acaso; desde a estética das personagens até à crítica mais disfarçada. Vale a pena assistir o filme também para identificar as referências que Woody Allen faz aos seus grandes mestres do cinema: os diretores Ingmar Bergman e Sergei Eisenstein.


Ficha Técnica:

A Última Noite de Boris Grushenko (Love and Death)
Estados Unidos - 1975
Direção: Woody Allen
Produção: Jack Rollings e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Fotografia: Ghislain Cloquet
Trilha Sonora: Sergei Prokofiev
Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, Georges Adet, Frank Adu, Edward Ardisson, Féodor Atkine, Albert Augier, Yves Barsacq, Lloyd Battista, Jack Berard, Eva Betrand, George Birt, Yves Brainville, Gérard Buhr, Brian Coburn, Henri Coutet, Patricia Crown, Henry Czarniak, Despo Diamantidou, Sandor Elès, Luce Fabiole, Florian, Jacqueline Fogt, Sol Frieder, Olga Georges-Picot, Harold Gould, Harry Hankin, Jessica Harper, Tony Jay, Tutte Lemkow, Jack Lenoir.
Duração: 82 minutos

quarta-feira, 30 de março de 2011

Entre os Muros da Escola

É impressionante a quantidade de provocações que "Entre os Muros da Escola" propõe ao espectador. Diversidade cultural, função das instituições sociais, educação da juventude e muitas outras. Mas acima de todas essas polêmicas, duas coisas ficam cada vez mais claras no cinema europeu: a urgência em fazer o espectador pensar e a abordagem de temas extremamente atuais.

O professor François, interpretado por François Bégaudeuau escritor do livro que deu origem ao filme, tem a difícil missão de ensinar e - sobretudo - educar jovens da sétima série do ensino fundamental. A maioria deles é da periferia francesa e já são todos cheios de personalidade e de visão de mundo. Esses alunos já têm noção do que é ser negro na França e do que é ser filho de imigrantes africanos no país. Atormentados pelo preconceito e pelo xenofobismo, esses jovens são extremamente desacreditados de um mundo melhor. Basta prestar atenção no debate que eles travam, a todo momento, com o prefessor - branco - François.

O curioso da realidade desses jovens é que eles tinham o poder de mudar a realidade que os pais e avós viveram. Ou seja, poderiam canalizar todo o sofrimento causado pelo preconceito, para o bem, para fazer com que a geração deles e as próximas não vivenciassem os mesmos problemas. Mas, no lugar disso, eles se fecharam em uma realidade e quem ousar transpor esse muro vai sofrer as consequências.

Em francês o nome do filme é apenas "Entre os Muros" - o que permite uma interpretação bem mais ampla. Em português, a tradução ficou "Entre os Muros da Escola" e, pra variar, a adaptação brasileira ficou bem mais abaixo que o título original. O problema é que no filme, os muros - as limitações - não só as da escola. Nesse caso, os muros são uma metáfora para explicar a dificuldade em lidar com culturas, pessoas, vidas e estilos diferentes. Cada um dos alunos da sala do professor François tem um estilo, tem uma personalidade. Saber incluir todos os estudantes de maneira democrática e fazer com que eles se sintam fazendo parte de um processo é a grande missão do educador. Os jovens de "Entre os Muros da Escola" são franceses e da periferia. Mas eles não são nada diferentes da realidade que pode ser encontrada em escolas particulares do mundo inteiro. Nos Estados Unidos, no Brasil, na Inglaterra... Em todos os países existem estudantes que desrespeitam professores e que se acham o centro do universo.

E para fazer com que o público se identifique mais ainda, o diretor Laurent Cantet não selecionou atores. O elenco do filme é composto por pessoas que não tinham nenhuma - ou quase nenhuma - experiência com atuação. E - como já foi dito - o próprio escritor do livro que deu origem à obra é o ator principal de "Entre os Muros da Escola". O mais curioso desse núcleo é que as ações dos personagens são tão naturais, que não dá pra perceber que eles não tem experiência nenhuma com as telas. Talvez nem os jovens atores mais profissionais da França, fossem conseguir transmitir tanta realidade ao filme. Os adolescentes, que realmente são da sétima série, interpretam tipos complexos talvez até sem saber.

"Entre os Muros da Escola" venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes e mostra como um diretor consegue prender o espectador por mais de duas horas com, praticamente, um cenário e uma trama "simples".



Ficha Técnica:

Entre os Muros da Escola (Entre les Murs)
França - 2007
Direção: Laurent Cantet
Produção: Caroline Benjo, Carole Scotta, Barbara Letellier e Simon Arnal
Roteiro: Robin Campillo e Laurent Cantet, baseado no livro de François Bégaudeau
Fotografia: Pierre Milon, Catherine Pujol e Georgi Lazarevski
Trilha Sonora:
Elenco: François Bégaudeau, Nassim Amrabt, Laura Baquela, Cherif Boundaïdja Rachedi, Juliette Demaille, Dalla Doucure, Arthur Fodel e Damien Gomes.
Duração: 128 minutos

terça-feira, 22 de março de 2011

Toy Story 3



Não é novidade os filmes Disney/Pixar ganharem o Oscar de Melhor Animação quando estão concorrendo. Na verdade, é um dos prêmios mais óbvios da Academia. E, normalmente, o vencedor dessa categoria é justo. Toy Story 3 é a melhor animação de 2011.

Mais uma vez os estúdios Disney/Pixar conseguiram fazer um filme que diverte toda a geração que acompanhou o primeiro filme da trilogia, em 1995, os pais dessa geração e as crianças que estão começando a assistir desenhos animados. O sentimento que todos dividem após assistir "Toy Story 3" é unanime: uma sensação de nostalgia enorme; até as crianças que nem mesmo sabem o que é nostalgia, sentem o coração ficar apertado com o desenrolar do filme.

Em Toy Story 3, Andy está indo para faculdade e precisa decidir o que vai fazer com os brinquedos antigos: se vai levar junto com ele para a nova etapa da vida, se deixa guardado no sótão de casa, joga fora ou entrega para doação. E mais uma vez o desenrolar da trama está baseado nas grandes confusões que esses brinquedos fazem. Andy decide guardar todos no sótão, menos Wood - o escolhido para ir para faculdade. Com medo de ir parar no lixo, os outros brinquedos procuram outro local para morar: a creche Sunnyside.

Mas se Toy Story 3 aposta na fórmula do "mal-entendido" para desenvolver a trama, esse é só o embasamento do roteiro. Desde o primeiro filme da trilogia, a estória começa em um ponto e vai tomando rumos completamente inesperados; e o mesmo acontece nesse último filme.

A grande diferença dos filmes da Disney/Pixar é a possibilidade de fazer com que o espectador se identifique com os personagens. Eles são mais humanos, possíveis e reais. Mesmo nos personagens mais malvados, pode ser que, mesmo lá no fundo, a platéia veja um pouco da sua própria personalidade projetada na tela.

Toy Story 3 também tem acerto na medida do humor que utiliza. O filme consegue divertir as crianças e seus pais. Os mais novos entendem aquilo que é mais simples e os mais velhos se divertem com as críticas sutis ao comportamento da sociedade. Um exemplo é o relacionamento de Berbie e Ken.

Mas esse é o grande pazer dos filmes da Disney/Pixar: cada vez que o espectador assiste, vai descobrindo novos aspectos do filme, novas piadas e novas críticas. É muito bom saber que toda a trilogia de Toy Story 3 foi bem sucedida e que esse é só o começo para uma série de filmes que podem render muitos frutos: os produtores dos dois estúdios já pensam em realizar novos filmes sobre os personagens mais marcantes de Toy Story 3. E tem tudo para dar certo.


Ficha Técnica:

Toy Story 3 (Toy Story 3)
Estados Unidos - 2010
Direção: Lee Unkrich
Produção: Darla K. Anderson, Nicole Paradis Grindl
Roteiro: Michael Arndt
Fotografia: Dice Tsutsumi
Trilha Sonora: Randy Newman
Elenco: Tom Hanks, Tim Allen, Joan Cusack, Ned Beatty, Don Rickles, Michael Keaton, Wallace Shawn, John Ratzenberger, Estelle Haris, John Morris, Jodi Benson, Laurie Metclaf, Blake Clark, Whoopi Goldberg
Duração: 103 minutos

terça-feira, 15 de março de 2011

Aguirre, A Cólera dos Deuses


É muito curiosa a identificação do diretor Werner Herzog com os assuntos ligados ao "exótico". Em 1972 o cineasta filmou "Aguirre, A Cólera dos Deuses", baseado na real expedição do conquistador Gonzalo Pizarro em busca de El Dorado, a lendária cidade feita de ouro. E 10 anos depois, Herzog filmaria "Fitzcarraldo" que conta a tentativa do empresário Brian Fitzgerald de construir um imenso teatro às margens do rio Amazonas.

Ao longo da carreira, a maioria dos diretores vai conseguindo definir um estilo muito característico de filmar. Seja pelo assunto que tratam ou pela fotografia que frequentemente adotam, as produções acabam se tornando "marcas registradas" dos cineastas. Com Werner Herzog não foi diferente. Se o espectador pudesse assistir "Aguirre" e "Fitzcarraldo" um logo após o outro, iria perceber que as cores, os planos e algumas críticas são bastante características do diretor.

Apesar de ser baseado em fatos reais, "Aguirre, A Cólera dos Deuses" não trata da aventura da expedição em busca de El Dorado. O filme aborda as complicações da mente humana, quando o homem se deixa levar pela ambição. Logo de início dá pra ver que Aguirre é uma pessoa forte, obstinada e de personalidade forte. Mas por trás de toda essa armadura, o guerreiro não consegue se manter lúcido após tantos dias perseguindo seu objetivo.

Outro fator que ajuda a ilustrar as mudanças mentais nos participantes da expedição é o cenário do filme. Durante 5 semanas, a equipe de filmagem esteve no Peru e no Rio Amazonas para conferir à produção um caráter mais real. E é impressionante como Herzog consegue transferir ao espectador toda a solidão da expedição. A locação ao longo do Rio Amazonas é vazia. É possível ouvir o barulho do rio, dos pássaros e mais nada - a não ser os ataques contra os índios, é claro.

É interessante assistir a "Aguirre, A Cólera dos Deuses" para ver a excelente atuação de Klaus Kinski como o personagem principal. Na verdade, a parceria entre o ator e Werner Herzog foi bem sucedida. O diretor sabia como extrair de Kinski a atuação na medida certa para os papéis que deveria interpretar, que variaram de um guerreiro ambicioso a um vampiro expressionista. Outro fator que vale a pena em "Aguirre" é a fotografia. Thomas Mauch conseguiu mostrar ao espectador porque esses guerreiros não conseguem manter a lucidez se alguma coisa sai errada. Mas, como é possível imaginar, em alguns momentos o filme perde um pouco o ritmo e se torna cansativo. Mas é normal, já que o principal foco de Werner Herzog era o comportamento humano e não a ação.


Ficha Técnica:

Aguirre, A Cólera dos Deuses (Aguirre, der Zorn Golles)
Alemanha - 1972
Direção: Werner Herzog
Produção: Werner Herzog,
Roteiro: Werner Herzog
Fotografia: Thomas Mauch
Trilha Sonora: Herbert Prach
Elenco: Klaus Kinski, Ruy Guerra, Heler Rojo, Peter Berling, Eduardo Roland, Del Negro, Cecilia Rivera
Duração: 110 minutos

segunda-feira, 14 de março de 2011

Persépolis



Marjane Satrapi é uma jovem iraniana de 8 anos que não se enquadra no perfil das garotas da sua idade: ela sonha em salvar o mundo, ouve de punk-rock (na medida do possível) e questiona o direito das mulheres e dos cidadãos do Irã, que estão subjulgados pela religião. A história de Marjane Satrapi não é única. Os países que possuem ditadores no poder estão sujeitos a esse tipo de rebeldia e comportamento. A diferença é que poucas pessoas são corajosas o suficiente para manifestar essa insatisfação.

O livro em quadrinhos que deu origem ao filme foi publicado na França em 2002 e foi um sucesso de vendas por lá. Aqui no Brasil foi diferente, talvez os leitores brasileiros não estejam muito acostumados com o formato HQ. Mas a adaptação cinematográfica conseguiu popularizar a história de Marjane Satrapi. O filme foi realizado no formato de animação em preto e branco e conquistou a plateia; tanto que foi escolhido para ser exibido no Festival Internacional de São Paulo.

Talvez um dos motivos de "Persépolis" ter dado tão certo foi a participação da própria autora na direção do filme. O desenho dos quadrinhos é exatamente igual às imagens do cinema. E além da estética, Marjane Satrapi pôde levar para a tela tudo aquilo que imaginou enquanto escrevia o livro. O reconhecimento foi tão grande que "Persépolis" ganhou o Grande Prêmio do Juri no Festival de Cannes, seis indicações ao Cesar (prêmio francês) e candidato os Oscar de Melhor Filme de Animação.

"Persépolis" é mais que uma história de uma garota que se sente estrangeira no próprio país. O filme também mostra como os governos ditatoriais conseguem manter a população conformada com a vida que levam; como as crianças são doutrinadas a acreditar em todas as palavras do ditador, desde o período colegial; como as crenças da família são jogadas em segundo plano para que nenhum integrante sofra as consequências por expor ideias contrárias as do governo etc. Dá pra ter uma aula de alienação e "lavagem cerebral".

O filme de Marjane Satrapi e Vincent Paronnau está longe de ser enquadrado nos clichês do cinema: a proposta tridimensional dos Estados Unidos, as viagens fantásticas dos japoneses e a infantilidade das animações. "Persépolis" é a adaptação de uma história real para o cinema. Sem muitos disfarces e apelos.


Ficha Técnica:

Persépolis (Persépolis)
França - 2007
Direção: Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud
Produção: Xavier e Marc-Antoine Robert
Roteiro: Vincent Paronnaud, baseado no livro de Marjane Satrapi
Fotografia: Marisa Musy
Trilha Sonora: Olivier Bernet
Elenco: Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve. Danielle Darrieux, Simon Abkarian, Gabrielle Lopes Benites, François Jerosme
Duração: 95 minutos

sábado, 12 de março de 2011

Melhores Filmes da Década I





A década de 1900 foi uma das mais importantes para a história do cinema. Foi durante esses anos, que os filmes passaram a ser vistos como diversão para todas as classes. Exemplo disso foi a criação dos nickelodeons: pequenas salas de cinema, montadas em lojas adaptadas. Essas "salas" eram muito comuns nos Estados Unidos e eram mais frequentadas por trabalhadores das grandes cidades. Já entre as camadas mais altas da sociedade o filme que realmente fez a diferença no modo de analisar o cinema foi "O Grande Roubo do Trem" (1902) de Edward S. Porter.

Mas enquanto nos Estados Unidos o cinema já estava desenvolvendo linguagem própria, na França, a empresa Film d'Art produzia filmes adaptados de obras literárias com elenco composto por atores de teatro; o que não significa que as produções do país eram mais pobres ou atrasadas, era apenas uma outra visão do cinema. E em 1901 o estúdio francês Pathé era o maior do mundo. Na Europa, ele só concorria com o Gaumont. É curioso pensar que enquanto a França já possuía os maiores estúdios do mundo, os Estados Unidos ainda faziam as pessoas assistirem filmes em locais improvisados. Mas essa situação já estava próxima de mudar. Em 1908 foi criado o Motion Pictures Patents Company, que controlava a produção e exibição dos filmes e obrigava os diretores a utilizarem materiais aprovados pela empresa, que era controlada pelos Estados Unidos.

Os filmes da década de 1900 até 1910 são bastante difíceis de encontrar. Nessa época os estúdios exibiam os filmes e, praticamente, os jogavam fora, acreditando que eles não serviam para mais nada. Mas várias cópias foram salvas e permitem que os estudiosos de cinema entendam a produção da época. Entre os filmes mais importantes do período estão:

1) Viagem à Lua, de George Méliès. O curta-metragem filmado em 1902 trata de uma expedição que os humanos fizeram à lua.

2) O Grande Roubo do Trem, de Edward S. Porter. Considerado o primeiro western da história do cinema, o filme de 1903 narra a execução de um assalto em um trem.

3) O Nascimento de Uma Nação, de D. W. Griffith. O filme de 1915 narra a Guerra Civil Americana vista por duas famílias: a dos abolicionistas do Norte e os escravistas da Sul. O Nascimento de Uma Nação é um dos filmes mais polêmicos de todos os tempos por mostrar o embrião da organiação Ku Klux Klan que até hoje pratica atos de racismo. Por isso, D. W. Griffith foi acusado de racista.

4) Os Vampiros, de Louis Feuillade. Considerado a primeira série da história, em 1915 o diretor de inspira no folhetim "Os Subterrâneos de Paris" e realiza os 10 episódios. Os Vampiros foi inspirador para cineastas como Luis Buñuel.

5) Intolerância, de D. W. Griffith. A narrativa escolhida pelo diretor em 1916 já vale a pena. Griffith intercala 3 estórias diferentes que falam sobre o amor. Hoje em dia a narrativa pode ser comparada a dos filmes "Amores Brutos", "Crash" e "21 Gramas".

6) O Gabinete do Doutor Caligari, de Robert Wiene. Esse filme de 1919 foi uma das primeiras obras de um dos mais importantes movimentos do cinema: o expressionismo alemão. Dr. Caligari e sua criatura realizam uma série de crimes em uma cidade.

Lembrando que esses foram apenas alguns filmes importantes da década de 1900 até 1910.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Amnésia



Uma das maiores injustiças que o Oscar cometeu na categoria "Roteiro Original" foi não ter premiado Christopher Nolan por "A Origem". Afinal, "O Discurso do Rei" já é uma história real - sem querer discutir sua qualidade do filme, é claro - mas a ideia de Christopher Nolan é impressionante e surreal. E o mesmo acontecem com "Amnésia". É certo que não é tão diferente quanto "A Origem", até porque o que sobressai em "Amnésia" é a narrativa, mas até os mínimos detalhes - que são a marca registrada do diretor - estão lá.

A namorada de Leonard Shelby (Guy Pearce) foi brutalmente assassinada e ele prometeu que o sentido de sua vida seria achar o assassino. O problema é que Leonard não consegue guardar informações por muito tempo. E as únicas lembranças concretas que ele tem são as de antes do incidente. Para lembrar dos acontecimentos recentes Leonard utiliza bilhetes, tatuagens e a confiança das pessoas. Além do roteiro ser intrigante, a narrativa escolhida por Christopher Nolan foi essencial para que o filme desse certo.

A trama toda é contada de trás pra frente. É verdade que em alguns momentos o espectador se sente perdido em meio às ideias de Leonard. Mas o que poderia ser enquadrado como uma falha é, na verdade, a intenção do diretor. Christopher Nolan faz a platéia sentir toda a dúvida e a impotência do personagem principal. A pior sensação desse filme é ter que passar o resto da vida confiando cegamente nas pessoas; até mesmo naquelas que você nunca viu.

Para entender "Amnésia" é necessário toda atenção do mundo. Só dessa maneira vai ser possível entender os pequenos detalhes e metáforas utilizadas pelo diretor. Mas tudo vale muito a pena. É incrível como Christopher Nolan transforma um filme de gênero policial/suspense em uma obra fantástica e complexa - no bom sentido. Mas além de atenção é preciso que o espectador compre a narrativa e siga com ela até o fim. Caso contrário, ele vai perder o melhor da produção.

"Amnésia" é um daqueles filmes que o final é o que menos interessa; já que o filme já começa pelo fim. O que realmente está em questão é o desenrolar da trama. Christopher Nolan é, com certeza, um diretor muito promissor. Se ele tiver liberdade para efetivar tudo o que imagina, grandes filmes virão futuramente.

Lançado primeiramente no circuito de cinema de arte, "Amnésia" não subestima o público: o diretor realmente acredita que a plateia vai comprar a ideia da narrativa e vai entender aonde o filme quer chegar. "Amnésia" não tem nenhuma fraqueza ou erro. É um filme muito bem construído, com atuações brilhantes - principalmente as de Guy Pearce, Joe Pantoliano e, secundariamente, Carrie-Anne Moss.



Ficha Técnica:
Amnésia (Memento)
Estados Unidos – 2000
Direção: Christopher Nolan
Produção: Suzanne Todd, Jennifer Todd
Roteiro: Christopher Nolan
Fotografia: Wally Pfister
Trilha Sonora: David Julyan
Elenco: Stephen Tobolowski, Guy Pearce, Joe Pantoliano, Larry Holden, Carrie-Anne Moss, Jorja Fox, Harriet Samson Harris, Callum Keith Rennie, Mark Boone Junior, Marianne Muellerleile, Russ Fega, Thomas Lennon, Kimberly Campbell
Duração: 114 minutos

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Porky's



Apesar de tratar da explosão de hormônios e da iniciação sexual do jovem americano nos anos 50, Porky's pode ser visto além disso. É certo que é necessário uma enorme boa vontade para enxergar o filme com olhos de quem busca um sentido em toda aquela confusão sexual, mas depois de várias reflexões é possível adquirir essa percepção.

Saindo do âmbito das mudanças que ocorrem na adolescência, Porky's mostra situações de abuso de poder, prostituição, opressão e falsos moralismos. Tudo o que a indústria de cinema de Hollywood odeia - quando é voltado contra eles, é claro. Obviamente não é possível dizer que Porky's é um filme profundo e culto. O diferencial que ele tem das comédias americanas atuais é mostrar a sexualidade e algo a mais. O que não acontece com American Pie, por exemplo. E mesmo que revele outros elementos além do sexo, o tipo de humor continua o mesmo. Porky's é o verdadeiro exemplo de que a comédia americana pouco evoluiu dos anos 80 pra cá - salvo alguns bons filmes do gênero, como os do diretor Woody Allen.

Em 1954 um grupo de adolescentes americanos tentam perder a virgindade em um bordel, o "Porky's". A missão não sai bem como eles esperavam e a vida escolar e familiar dos jovens fica em segundo plano: eles só pensam em se vingar do dono do bordel. Só o fato do filme se passar em um prostíbulo já revela a mentalidade sexual da época: sexo só depois do casamento. Mas, em contrapartida, a repressão da sexualidade era tão grande que os jovens tomavam exatamente o caminho contrário: eles queriam vivenciar tudo a todo momento.

É certo que qualquer pessoa que goste de um tipo de cinema mais refinado não vai ver muitos pontos positivos em "Porky's"; principalmente pela insistência nas piadas de humor negro, que já são extremamente repetidas. Mas o filme é destinado para um tipo específico de público e nesse nicho funciona bem. Talvez aquelas pessoas que assistiram "Porky's" quando tinham uns 12 ou 13 anos tenham adorado o filme e guardado boas lembranças dele. Mas nesse caso, avaliar a produção é muito mais uma questão de emoção que razão. Então, para eles, o filme é ótimo.

Vale assistir "Porky's" para entender de onde saiu a compulsão por filmes de jovens em busca da consolidação da sexualidade nos Estados Unidos. E para ter certeza de que a comédia americana pouco evoluiu ao longo dos anos. Mas o filme pode ser visto com olhos positivos porque incrementa alguns valores e temas que a sociedade americana detesta, ou seja, é interessante ver a provocação à uma das sociedades mais conservadoras do mundo - pelo menos por fora.


Ficha Técnica:

Porky's - A Casa do Amor e do Riso (Porky's)
Canadá, Estados Unidos - 1982
Direção: Bob Clark
Produção: Dom Carmondy e Bob Clark
Roteiro: Bob Clark
Fotografia: Reginald H. Morris
Trilha Sonora: Paul Zaza, Carl Zitter
Elenco: Dan Monahan, Wyatt Knight, Mark Herrier, Roger Wilson, Tony Ganios, Cyrill O'Reilley, Scott Colomby, Kaki Hunter, Scott Colomby, Nancy Parsons, Boyd Gaines, Bill Hindman, Doug McGrath, Eric Christmas, Kim Cattrall, Chuck Mitchell, Art Hindle, Alex Karras, Susan Clarck, Rod Ball, Lisa O'Rilley, Wayne Maunder
Duração:

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Picolino




O dançarino americano Jerry Travers (Fred Astaire) foi contratado para ser a estrela de um show de sapateado. Enquanto está ensaiando no quarto do hotel em que está hospedado, o barulho acaba incomodando a vizinha do andar de baixo Dale Tremont (Ginger Rogers). Isso é o suficiente para uma série de confusões começar.

O roteiro de "O Picolino" não é nada original; na verdade, quase nenhum dos filmes da dupla Fred Astaire e Ginger Rogers apresenta algo inovador quando o assunto é trama. A especialidade do casal é a química da atuação e os números de dança. Talvez, por esses dois motivos, eles tenham se tornado uma das duplas mais queridas e conhecidas da história do cinema. E "O Picolino" acabou sendo o filme mais conhecido e elogiado do casal.

"O Picolino" foi um filme que envelheceu. Não é possível dizer que ele continua atual ou que foi uma produção à frente de seu tempo. Mas existem dois tipos de envelhecimento quando o assunto é cinema. A primeira delas acontece quando o filme fica tão datado que chega a ser "inacreditável" e pouca coisa consegue se salvar. O segundo modo de envelhecer ocorre quando a trama se torna antiga e até "impossível" de ser repetida, mas o filme consegue ser tão marcante, que alguns aspectos continuam insuperáveis. E esse é o caso de "O Picolino". As coreografias, ao som da trilha sonora inesquecível, são momentos distintos do cinema. As músicas "Cheeck to Cheeck" e "Top Hat White Tie and Tails" são os dois grandes momentos do filme.

Uma das provas da imortalidade de "O Picolino" é a homenagem que o diretor Woody Allen fez ao filme. Em "A Rosa Púrpura do Cairo", Cecília (Mia Farrow) assiste a uma cena do filme de Fred Astaire e Ginger Rogers e sonha com o glamour do mundo do cinema.

É verdade que "O Picolino" só reproduziu o estilo de comédia que era realizada nos Estados Unidos dos anos 30; e que a própria fórmula já havia sido utilizada pela dupla de atores/dançarinos em outras produções ("A Alegre Divorciada", por exemplo). Mas "O Picolino" vai muito além da trama. Se esta é fraca, outros aspectos do filme o tornam um clássico e fazem com que ele seja o mais lembrado, entre os 10, que Fred Astaire e Ginger Rogers realizaram juntos.


Ficha Técnica:

O Picolino (Top Hat)
Estados Unidos - 1935
Direção: Mark Sandrich
Produção: Pandro S. Berman
Roteiro: Dwight Taylor
Fotografia: David Abel
Trilha Sonora: Irving Berlin
Elenco: Fred Astaire, Ginger Rogers, Edward Heverett Horton, Erik Rodhes, Eric Blore, Lucille Ball, Robert Adair, Gino Corrado, Tom Ricketts
Duração: 101 minutos

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Ratatouille




Ainda na década de 30, o Walt Disney Studios lançou uma obra inovadora para o cinema. "A Branca de Neve e os Sete Anões", primeiro filme do estúdio, revolucionou a maneira de criar animações para o cinema. A partir daí, os desenhos feitos à mão pela Disney seguiram uma trajetória de sucessos. Mas com o desenvolvimento tecnológico ela perdeu espaço para outros estúdios que utilizavam o computador para criar personagens e cenários. Esse foi o primeiro momento que a Disney balançou, após anos de dominação no mercado. E o responsável por essa instabilidade foi, principalmente, a Pixar. Para não perder o ritmo - e o lucro - a Disney comprou a concorrente e, a partir daí, eles lançaram uma série de sucessos. E Ratatouille é um exemplo deles.

Remy (Patton Oswalt) é um ratinho que sonha em ser chef de cozinha. Mas ele encontra dois grandes problemas para realizar o sonho: o próprio fator de ser um rato e a falta de apoio da família. Mas, por acaso, ele encontra Linguini (Lou Romano) que é um atrapalhado ajudante no famoso restaurante Gusteau's. Remy e Linguini fazem um pacto de cooperação: o rato ensina o rapaz a cozinhar e Linguini garante o emprego.

As animações, principalmente as da Disney, são famosas por serem filmes "família" e por ensinar às crianças uma série de virtudes. E apesar de ter mudado o tipo de "desenho", essa intenção de ensinar "boas maneiras" da Disney continua enraizada em seus filmes. Ratatouille é uma estória de amizade e de realização de sonhos. Mas, como é necessário divertir também os pais que levam as crianças ao cinema, Ratatouille é cheio de indiretas e alfinetadas. Uma delas é a alfinetada aos críticos dos restaurantes. Anton Ego (e o sobrenome "Ego" não é à toa) é o terror dos chefs do Gusteau's. Ele conseguiu acabar com a reputação do restaurante só com os artigos que escreveu. Esses são aqueles detalhes que as crianças só vão perceber quando assistirem ao filme de novo, muito tempo depois.

Ratatouille é mais uma prova do sucesso que foi a parceria entre a Disney e a Pixar. E o melhor de tudo isso é que os dois estúdios continuaram tendo extrema liberdade para criar e inovar no campo da animação.


Ficha Técnica:

Ratatouille (Ratatouille)
Estados Unidos - 2007
Direção: Brad Bird
Produção: Brad Lewis
Roteiro: Brad Bird e Jim Copobianco
Fotografia: Sharan Calahan
Trilha Sonora: Michael Giacchino
Elenco: Patton Oswalt, Lou Romano, Peter Sohn, Brad Garett, Janeane Garofalo, Ian Holm, Brian Dennehy, Peter O'Toole
Duração: 111 minutos

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Ladrão de Casaca



Dizer que "Ladrão de Casaca" é um filme fraco seria uma injustiça. É certo que ele não apresenta toda a complexidade das outras obras de Alfred Hitchcock, mas nem por isso deixa de ter os principais elementos que constituem os filmes do diretor. Estabelecer uma comparação entre os filmes de Hitchcock é uma tarefa difícil. As obras têm tanta qualidade, que qualquer simplicidade é percebida. E é o que acontece com "Ladrão de Casaca".

John Robie (Cary Grant) é um ex-ladrão de jóias conhecido como "O Gato". Pela fama que conquistou ao longo dos anos, Robie tornou-se o principal suspeito de uma série de roubos que vinham acontecendo na Riviera Francesa. Para não ser acusado de um crime que não cometeu, "O Gato" utiliza as jóias da mãe de Frances Steves (Grace Kelly), uma jovem que ele conheceu na Riviera, para apanhar o verdadeiro culpado. O roteiro não é nada original; Hitchcock já havia utilizado o drama do inocente sendo injustiçado em "39 Degraus" e "Festim Diabólico". Mas mesmo que a base da trama não seja de um todo original, o diretor sabe como fazer com que "Ladrão de Casaca" seja um filme completamente diferente dos outros. O cenário romântico da Riviera Francesa, a atmosfera do local, o figurino e Grace Kelly são o principal diferencial da produção.

As cores quentes utilizadas nas filmagens - que ressaltam a beleza do local - fazem com que a ilha francesa seja mais encantadora ainda. A impressão que o espectador tem é que tudo em "Ladrão de Casaca" foi cuidadosamente planejado. Principalmente a fotografia de Robert Burks e o figurino. A direção de fotografia consegue criar um clima de romance, quando necessário, e muda bruscamente para uma atmosfera tensa. A cena da perseguição no telhado, o passeio de carro de Robie e Steves e a cena em que eles estão juntos vendo os fogos, são um ótimo exemplo dessa versatilidade de Burks, que foi vencedor de um Oscar por esse filme.

Já o figurino de Edith Head é um capítulo à parte. Os vestido que Grace Kelly usa são um clássico do cinema. Não é a toa que a figurinista continua sendo a mais premiada de toda a históra de Hollywood: foi indicada a 35 Oscar - incluindo "Ladrão de Casaca" - e venceu 8. Edith Head também serviu de inspiração para a criação da personagem Edna Moda no filme "Os Íncríveis". Os vestidos continuam atuais e poderiam servir de modelo para muitos estilistas.

Por todos esses motivos, fica claro que "Ladrão de Casaca" é menos um filme que uma ode à beleza de Grace Kelly. Tudo foi escolhido a dedo para elevar e homenagear a beleza da atriz, por quem Hitchcock era apaixonado. Na verdade, o diretor conseguiu enfatizar tanto a beleza de Grace Kelly que ela acabou chamando a atenção do Príncipe Rainier de Mônaco. É como se o tiro tivesse saído pela culatra: Grace Kelly se tornou a Princesa de Mônaco e nunca mais viria a atuar.

"Ladrão de Casaca" é um filme encantador. É, na verdade, o filme de um apaixonado. A maior preocupação de Alfred Hitchcock não era o roteiro, a direção ou qualquer outro aspecto técnico do filme. A intenção do diretor era homenagear a beleza, a vida e o encantamento; tudo isso personificado na figura de Grace Kelly.

Ficha Técnica:

Ladrão de Casaca (To Catch a Thief)
Estados Unidos - 1955
Direção: Alfred Hitchcock
Produção: Alfred Hitchcock
Roteiro: John Michael Hayes, baseado no livro de David Dodge
Fotografia: Robert Burks
Trilha Sonora: Lyn Murray
Elenco: Cary Grant, Grace Kelly, Jassie Royce Landis, John Williams, Charles Vanel, Brigitte Auber, Jean Martinelli, Georgette Anys, Alberto Morin, Eugene Borden, Philip Van Zandt, Guy de Vestel, John Alderson, George Adrian, Rebé Blancard, Jean Hébey, Dominique Davray, Russell Gaie, Michael Hadlow, Gladys Holland, Roland Lesaffre, Marie Stoddard, Alfred Hitchcock
Duração: 106 minutos