segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A Turba



"O mundo irá falar deste menino": esta foi a primeira frase que o pai de John Sims (James Murray) disse quando ele nasceu. E é exatamente sobre isso que A Turba trata: a busca pelo reconhecimento, pelo crescimento na vida profissional e social; King Vidor vai mostrar se John Sims vai ou não se tornar um homem histórico. Recém chegado a Nova York, John Sims é apenas mais um na multidão da cidade e mais um em busca de alcançar um futuro brilhante. Após algum tempo em Nova York, John se casa com Mary (Eleanor Boardman). O marido não ganha muito no escritório onde trabalha, mas garante à Mary que "o amanhã será brilhante". Vários anos depois, John continua com a mesma premissa e a família não vê nada melhorando.

A Turba poderia caminhar para dois lados distintos: poderia abordar com muita ênfase a questão da massa: John Sims é mais um tentando conquistar um futuro satisfatório, sustentar a família e viver dignamente. Ou poderia abordar o lado romântico: o casamento, que seria uma fuga, se transforma em mais uma responsabilidade para o personagem. King Vidor conseguiu abordar dois temas muito atuais de maneiras iguais: em alguns momento a questão da turba, da multidão merece destaque, já em outros, o diretor aborda a questão do matrimônio e suas implicações. Além da abordagem, King Vidor conseguiu feitos imensos na questão técnica do filme.

O diretor transforma os altos arranha-céus de Nova York, em extensas salas de escritórios, em que todos estão alienados e fazem a mesma coisa todos os dias, sem nenhum senso crítico; talvez em meio àquelas tantas pessoas, várias teriam a mesma vontade de John Sims, crescer na vida e acreditar no "american way of life". Essa questão de abordar o capitalismo e o modelo americano foi muito pertinente à época: os Estados Unidos mergulhavam na maior crise econômica de todos os tempos. A sociedade, o estado, tudo estava arrasado. E A Turba mostra isso me maneira muito poética: o filme estabelece um contraponto entre os altos prédios e o desemprego; entre a tristeza dos empresários que perdiam tudo e o descontentamento daqueles que nunca tiveram nada. Apesar de ter sido filmado em 1928, o filme continua muito atual em todos os aspectos.

A Turba é um dos melhores filmes mudos já realizados. A técnica do diretor, o roteiro, a abordagem sobre os aspectos econômicos e matrimôniais, a sabedoria em explorar um período tão difícil para uma nação, fez de A Turba um filme obrigatório. Mais obrigatório ainda, por não se deixar levar pela emoção do momento. E por ser um filme muito pé no chão; o que difere da maioria das produções da época.



Ficha Técnica:

A Turba (The Crowd)
Estados Unidos - 1928
Direção: King Vidor
Produção: Irving Thalberg
Fotografia: Henry Sharp
Roteiro: John A. Weaver
Trilha Sonora: Carl Davis
Elenco: Eleanor Boardman, James Murray, Bert Roach, Estelle Clark, Daniel G. Tomlinson, Dell Henderson, Lucy Beaumont, Freddie Burke Frederick, Alice Mildred Puter
Duração: 98 minutos

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O Âncora: a lenda de Ron Burgundy



Na década de 70, Ron Burgundy (Will Ferrell) é um dos mais famosos âncoras de San Diego. Ele divide a apresentação do jornal com Veronica (Christina Applegate), que faz matérias relacionadas apenas a supostos interesses femininos: cozinha e moda. Quando ela resolve querer mais espaço, Veronica passa a disputar com Ron, e eles começam uma intensa disputa nos bastidores, para ver quem vai ser o âncora principal do telejornal.

O Âncora sintetiza o que 90% dos filmes de comédia representam atualmente e o que eles acrescentam à vida de quem os assiste: nada. Um filme limitado, que busca fazer piada atrás de piada, e sem nenhum bom gosto. É, mais uma vez, a ideia de que para a maioria dos americanos, fazer rir significa humilhar as minorias, fazer piadas a troco de nada e achar que palavrões e pornografia, salvam qualquer filme. É uma receita que, infelizmente, faz sucesso. O Âncora é um daqueles filmes que apenas pela sinopse, o espectador consegue adivinhar absolutamente tudo que vai acontecer até o final do filme. Previsível e de mau gosto: essa é a definição desse filme.

O Âncora não apresenta pontos positivos e se apresenta não são tão bons assim pra fazer com que sejam lembrados. É uma pena que o estilo de fazer comédia criado por Charles Chaplin, passando pelos Irmãos Marx e atualizado por Woody Allen, sejam tão restritos: existe uma minoria que faz e outra minoria que assiste. O filme de Adam McKay é muito supérfluo, e apesar de ter apenas 90 minutos, parece uma e-t-e-r-n-i-d-a-d-e! É uma pena que esse tipo de filme faça tanto sucesso.

O Âncora figura em uma lista que aponta os 100 melhores filmes da década. Essa aparição continua uma ENORME dúvida. Não é possível que entre os anos 2000 e 2010, foram feitos tão poucos filmes bons. Na verdade, uma lista de filmes poderiam ser feitas apenas para disputar um lugar contra O Âncora nessa listinha. Adam McKay até faz referências a filmes antigos e gêneros clássicos do cinema, como o Velho Oeste, mas a piada é tão forçada e exagerada que atinge o ridículo.

O Âncora é um filme não aconselhável, ridículo e de muito mau gosto.


Ficha Técnica:

O Âncora: a lenda de Ron Burgundy
Estados Unidos - 2004
Direção: Adam McKay
Produção: Judd Apatow
Fotografia: Thomas E. Ackerman
Roteiro: Will Ferrell e Adam McKay
Trilha Sonora: Alex Wurman
Elenco: Will Ferrell, Christina Applegate, Paul Rudd, Steve Carrel, David Koechner, Fred Willard, Chris Parnell, Kathryn Hahn, Fred Armisen, Luke Wilson, Vince Vaughn, Paul F Tompkins, Jack Black, Tim Robbins, Ben Stiller, Danny Trejo, Seth Rogen
Duração: 91 minutos

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Diabo a Quatro



"A origem da expressão Diabo a Quatro é francesa - faire le diable a quatre - e provém de certas representações teatrais na Idade Média em que era constante a presença do diabo. Para diabruras maiores, o autor usava quatro diabos, todos eles fazendo enorme confusão e estardalhaço no palco". A definição da expressão também poderia ser a sinopse do filme.

O pequeno país Freedonia atravessa uma péssima fase econômica. A Sra. Tiesdale (Margaret Dumont) doa 20 milhões de dólares aos caixas públicos, se T. Firefly (Groucho Marx) for eleito presidente. Porém, o país vizinho e rival de Freedonia, Sylvania, envia dois espiões (Chipo e Harpo Marx) para conseguir informações sigilosas, enquanto uma guerra pode ser travada se os líderes dos dois países não decidirem quem vai ser o futuro marido da Sra. Tiesdale.

"Diabo a Quatro" é o mais famoso filme dos Irmãos Marx e uma fonte de influências para comediantes. Eles abusam tanto de piadas e gags que em alguns momentos chega a ser cansativo. Fora esses deslizes, fica claro que foi em filmes como "Diabo a Quatro" que muitos comediantes se inspiraram para compor personagens. Um exemplo disso é Woody Allen. O diretor/ator nunca escondeu a admiração que tinha por Groucho Marx; ele fala sobre o ator em seus livros e filmes. Os Irmãos Marx chegam a lembrar o estilo de comédia de Charlie Chaplin, mas de maneira mais exagerada.

Claro que o destaque do filme fica com os irmãos, mas além de Groucho, o principal deles, Chico Marx, que interpreta Chicolini está muito bem no papel de um italiano que vai morar na América. Ele concentra todos os trejeitos explorados dos italianos: é exagerado, desesperado e mandão. Chico Marx rouba a cena nos momentos em que aparece. "Diabo a Quatro" tem uma das cenas mais inesquecíveis do cinema e várias referências às questões políticas da época. Freedonia e Sylvania são dois países totalitários, que fazem referência aos regimes da época (Mussolini até chegou a proibir o filme) e a memorável cena do espelho, em que Groucho trava uma batalha consigo mesmo - a cena que está na foto do post.

"Diabo a Quatro" é um filme em que é possível encontrar várias referências e descobrir de onde grandes comediantes tiraram suas influências. Mas às vezes o filme se torna cansativo e apela para certos tipos de gags que, hoje em dia, já é muito conhecido; ver dessa maneira é analisar o filme 70 anos depois, com certeza não foi isso que o público dos anos 30 pensou. "Diabo a Quatro" é melhor lembrado por momentos memoráveis do que pelo filme inteiro.





Ficha Técnica:

Diabo a Quatro - Duck Soup
Estados Unidos: 1933
Direção: Leo McMarey
Produção: Herman J. Mankiewicz
Fotografia: Henry Sharp
Roteiro: Bert Kalmar, Harry Ruby, Nat Perrin, Arthur Sheekman
Trilha Sonora:John Leipold
Elenco: Groucho Marx, Harpo Marx, Chico Marx, Zeppo Marx, Margaret Dumont, Raquel Torres, Louis Calhern, Edmund Breese, Leonid Kinskey, Charles Middleton, Edgar Kennedy
Duração: 68 minutos

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Palavra



Um fazendeiro viúvo, muito religioso, tem três filhos. O mais velho é ateu; o do meio foi estudar para ser padre, mas após várias crises ele acredita que é o próprio Jesus Cristo e o mais novo quer se casar com a filha do alfaiate da cidade. O único problema é que ela é outra religião. Tudo poderia ser simples, mas a maneira de filmar de Dryer e os assuntos abordados no filme mudam todo o significado da obra.

A Palavra pode ser acusado de ter envelhecido em alguns aspectos, porém, eles se tornam detalhes dentro do contexto e da exploração do tema: religião. É irônico um pai super religioso, desejar que um dos filhos siga a carreira da igreja e, de uma hora pra outra, ele acredita que é Jesus Cristo e o pai não fica "satisfeito" com o que aconteceu. As personagens de A Palavra são todas secas e frias; chega até a ser incômodo imaginar que aquelas pessoas tão distantes sejam parentes. Com exceção de Ingrid, mulher do filho mais velho, que pode ser encarada como o elo entre todos os personagens. Ingrid carrega toda a família nas costas.

Mas é preciso que o espectador esteja preparado para assistir a esse filme. Por vários momentos Carl Dryer chegou a ser reverenciado por críticos e ao mesmo tempo ser acusado de tedioso. É verdade que A Palavra segue um ritmo lento, desalecerado, quase parado... O espectador deve comprar a ideia do diretor, se quiser entender a mensagem principal do filme. A Palavra não é um filme que diverte, mas ele faz pensar em temas bastante polêmicos e muito atuais.

A verdade é que a maioria dos críticos ficam divididos em dois momentos quando vão julgar o filme: analisar a beleza, a estética da obra ou pensar o filme como entretenimento? Se pensarmos pela primeira perspectiva, A Palavra é impecável. Se analisarmos pela segunda, o filme torna-se torturante (mas com algum envolvimento). A Palavra tem uma das fotografias mais belas da história do cinema: os tons de preto e branco, o posicionamento da câmera, a movimentação dos personagens em cena... É com certeza uma referência no assunto. Já pelo ângulo do entretenimento, é muito difícil assistir A Palavra sem sentir uma pontada de tédio, de vontade que tudo se resolva. Mas em alguns desses momentos, principalmente quando o filme vai se encaminhando pro final, torna-se obrigatório insistir e ver o ápice da obra.

Se uma palavra pudesse definir o filme seria: densidade. Qualquer aspecto levantado pelo diretor, é passível de várias interpretações e de análises muito ricas. A religião ou a falta dela, o misticismo, a vida após a morte, os costumes, a instituição família. São muitos pontos interessantes para prestar atenção e discutir. Mas a verdade é que é preciso estar disposto para assistir A Palavra. O filme é tedioso e permite divagações, mas está classificado entre aqueles filmes em que o melhor é o depois, quando todas as questões levantadas se organizam e o espectador fica um bom tempo tentando digerí-las.


Ficha Técnica:

A Palavra (Ordet)
Dinamarca - 1955
Direção: Carl Theodor Dryer
Produção: Carl Theodor Dryer, Erik Nielsen, Tage Nielsen
Fotografia: Henning Bendtsen
Roteiro: Kaj Munk (autor da peça em que o filme é baseado)
Trilha Sonora: Poul Schierbeck
Elenco: Hanne Agensen, Kirsten Andreasen, Sylvia Eckhausen, Birgitte Federspiel, Ejner Federspiel, Emil Hass Christensen, Cay Kristiansen, Preben Ledorff Rye
Duração: 126 minutos